sexta-feira, 3 de setembro de 2010

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13
Eram duas horas e trinta minutos quando Rodrigo saiu de sua casa lamentando ainda não ter dezoito anos e não poder pegar o carro da mãe emprestado para levar Miriam ao cinema.
“Ah, mas no ano que vem eu já vou poder fazer isso. Ainda bem que a Mi não é igual as outras garotas da escola que só gostam de sair com caras que tem carro ou moto.”pensou enquanto caminhava em direção ao ponto de ônibus.
De repente o som de um carro se aproximando se fez ouvir. Rodrigo não se importou, ele estava na calçada e não na rua, portanto não tinha com o que se preocupar.
Mas o barulho do carro acelerando logo atrás dele o fez virar assustado e antes que pudesse se mexer sentiu uma forte pancada em suas pernas fazendo com que seu corpo rolasse sobre o automóvel até cair no chão.
Várias pessoas que estavam em uma padaria em frente correram em direção ao corpo de Rodrigo enquanto o carro dava ré e partia a toda velocidade.

14

Miriam olhou para o relógio eram três horas e vinte minutos e Rodrigo ainda não havia aparecido. “Ele deve estar esperando o ônibus. Isso, ele não esqueceu, ele só está esperando o ônibus.” Pensou enquanto colocava alguns fios de cabelo para traz da orelha e ligava o rádio. Ouvir música sempre a deixava mais calma.
O som da campainha se fez ouvir e ela pulou do sofá animada e foi correndo abrir a porta acreditando ser Rodrigo, mas ao ver quem era o sorriso morreu em seus lábios e tensa ela disse:
__Se você está com algum problema no carro, o meu pai só estará aqui após as seis horas.
__Não, não é nada com o meu carro. Eu quero é falar com você, Miriam. Será que eu posso entrar? - E sem esperar pela resposta, André entrou.
Miriam pôde sentir o cheiro de cerveja que vinha dele e nervosa disse:
__Eu estou de saída. Podemos conversar mais tarde quando eu voltar e...
__Não, tem que ser agora!
O tom de voz dele agora era autoritário. Ela olhou na direção da rua através da porta aberta desejando ver Rodrigo se aproximando, mas não havia o menor sinal dele.
Se pelo menos sua mãe estivesse em casa, mas ela estava no curso de culinária e só chegaria às cinco.
“Que idiota eu fui, eu tinha que ter olhado pelo olho mágico antes de abrir.” pensou ainda próxima a porta.
__Não precisa ter medo de mim, Miriam. Eu só quero que você me dê algumas informações sobre uma pessoa que você conhece.
__Que pessoa?
O som de uma buzina se fez ouvir, Miriam olhou pela porta aberta e reconhecendo o carro disse:
__Chegou uma visita para mim. Vou precisar atendê-la agora.
André caminhou até a janela para ver quem era e Miriam se aproximou mais da porta sorrindo aliviada para a pessoa que saía do carro e se aproximava.
Não entendia o porquê de ele estar ali, mas pelo menos não estava mais sozinha com André.
__Olá, Miriam, posso entrar? Eu preciso muito falar com você.
__ Sim, claro Paulo! - Disse Miriam acrescentando em seguida em um tom de voz mais alto: __Meu vizinho também está aqui, mas eu creio que ele já está de saída, não é mesmo, André?
Não houve resposta.
André não estava mais na sala.
__Onde está seu vizinho? - Perguntou Paulo. Miriam olhou ao redor e disse desconcertada:
__Não sei. Acho que ele saiu pela janela.
__ Que estranho. - Murmurou Paulo acrescentando em seguida: __Bem não se preocupe com isso. Eu estou aqui e não deixarei nada de ruim acontecer a você.
__Obrigada, Paulo. - Disse Miriam desviando os olhos da janela para ele e acrescentando em seguida:
__ Você quer falar comigo sobre a última aula de Matemática, não é? Eu sei que eu não prestei a atenção que eu devia é que eu...
__É que você estava sendo perturbada pela presença do Rodrigo, eu vi que ele ficava sempre fazendo você rir, desviando a sua atenção, mas não se preocupe, ele não irá mais perturbar você.
__Como assim? Não estou entendendo...
Com um estranho brilho nos olhos, Paulo se aproximou mais dela e disse:
__Eu o tirei do nosso caminho. Precisei fazer isso porque ele queria roubar você de mim, mas vamos esquecer esse assunto. Só o que importa agora é que estamos juntos novamente e que nunca mais eu irei sentir frio...
Horrorizada, Miriam tentou correr, mas ele foi mais rápido e com um braço segurou-a pela cintura enquanto com a outra mão tampava-lhe a boca impedindo-a de gritar.
___Acalme-se, Verônica, minha querida. Já não há mais motivos para ter medo. Estamos juntos agora. Eu cuidarei bem de você. Dessa vez não deixarei nada de ruim te acontecer, eu prometo.
“Meu Deus, ele é louco. Completamente louco!” pensou Miriam enquanto se debatia na esperança de que ele a soltasse, mas a cada movimento que fazia mais ele a apertava de encontro ao corpo.
Sem pensar duas vezes, Miriam mordeu-lhe a mão fazendo-o gritar de dor e com isso afastá-la um pouco de sua boca.
__Socorro! Socorro! – ela gritou com todas as forças até ser jogada por Paulo sobre o sofá.
__O que aconteceu, Verônica? Por que está com medo de mim? Por quê?
__Eu não sou Verônica! – gritou Miriam tentando se levantar, mas Paulo voltou a agarrá-la pela cintura dizendo:
__Você me culpa pela sua morte, não é? Mas não foi culpa minha, Verônica. Foi um acidente. Estava muito frio naquela noite, você lembra? Aquela neblina toda... Eu não conseguia ver a estrada direito por isso errei o caminho e acabei indo de encontro aquele outro carro. Por favor, Verônica não me culpe.
Miriam o ouviu soluçar. E cada vez mais assustada com a loucura dele implorou:
__Paulo, por favor, me solte. Eu já gritei, logo irá chegar alguém e...
__Ninguém irá separar você de mim. Eu esperei durante dois anos pela sua volta. Você não imagina como eu senti frio... A solidão é tão fria, meu amor, tão fria. Você também sentia esse frio, Verônica?
Miriam começou a chorar e Paulo disse:
__Não chore, minha querida. Não chore. Agora iremos aquecer um ao outro. O frio acabou.
Ele beijou-lhe a face e ela gritou:
__Me solta seu louco! Me larga! Vai embora!
__Você é minha esposa, Verônica. Eu jamais te deixarei.
__Eu não sou a Verônica! Eu sou a Miriam! Miriam! Ouviu?
Paulo riu. Um riso doentio e disse:
__Você sempre gostou desse nome, não é querida? Lembro que dizia que quando tivéssemos uma filha ela iria se chamar Miriam que quer dizer “Senhora”. Por isso foi o corpo de uma Miriam que você escolheu para poder voltar para mim. Ah, você não sabe como eu fiquei feliz em entrar naquela sala de aula e te ver. Eu soube desde o primeiro momento que era você. Os mesmos olhos, os mesmos cabelos, os mesmos modos de mexer as mãos. Conseguir seu telefone e seu endereço na diretoria foi muito fácil. O difícil era me controlar para não te dizer tudo. Eu sabia que precisava me aproximar aos poucos. Por isso passei a te ligar, só em ouvir a sua voz eu já me sentia em paz. Depois lhe deixei um bilhete, você sempre gostou de receber bilhetes meus, lembra? Sempre achou romântico. E aquele dia no cinema? Foi tão divertido, não foi meu amor?
Miriam não respondeu. Ela jamais poderia imaginar que Paulo era a pessoa que ligava para dizer que sentia frio. Apesar do medo que tinha sentido ao receber o bilhete, ela havia decidido acreditar que era tudo uma brincadeira tola e acabou esquecendo do fato por completo.
Agora, ela estava ali, presa nos braços dele. Queria gritar novamente mais o terror parecia ter lhe roubado a voz.
Desesperada, ela olhou ao redor. Por que não aparecia ninguém para lhe salvar? Onde estava André? Por que ele tinha que ter ido embora e a deixado sozinha com aquele louco?
___Olhe para mim, Verônica. - Disse Paulo virando Miriam para ele. Ela obedeceu. Por um momento ele apenas a olhou com uma expressão de felicidade estampada no rosto.
Depois se inclinou para frente e ao perceber que ele pretendia beijá-la, Miriam ergueu o joelho e o golpeou com força entre as pernas.
A dor o fez cair de joelhos. Miriam aproveitou para sair correndo pela rua gritando por socorro.
Logo, várias pessoas saíram de suas casas e foram ver o que tinha acontecido. Tremendo dos pés à cabeça, Miriam falou:
__Tem um louco na minha casa!
__Fique calma que iremos tirá-lo de lá! - Disse Roberto, o pai de Bianca, dirigindo-se até a casa de Miriam acompanhado de mais cinco homens.
Miriam os seguiu.
15
Um grito agudo saiu de sua garganta assim que viu o corpo de Paulo ensangüentado estirado no chão da sala.
Seus olhos estavam abertos, mas não havia mais nenhum sinal de vida neles.
Junto a ele, de pé, estava André segurando com as mãos trêmulas uma faca suja do sangue do homem que há dois anos ele desejava matar.
Todos o olhavam em estado de choque sem conseguir pronunciar uma palavra. Foi ele quem quebrou o silêncio perturbador ao dizer:
__Eu tive que matá-lo. Meu pai está morto e minha mãe hospitalizada por culpa dele. Eu me sinto vingado e isso é tudo o que eu tenho a dizer. Agora podem chamar a polícia.
16
Uma placa escrita: “Vende-se” foi colocada em frente à casa de Miriam. Seus pais haviam decidido vendê-la sabendo que não iriam conseguir mais morar ali depois do que havia acontecido.
Por isso aceitaram o convite de Angêla, irmã de Jorge para que morassem com ela até encontrarem uma nova casa que os agradassem.
Nas primeiras semanas, Miriam recusou-se a atender a qualquer telefonema, receber qualquer visita e até mesmo a ir à escola. Não queria falar com ninguém, sabia que todos iriam lhe perguntar sobre o que tinha acontecido e ela não queria falar sobre isso. Já bastava o que tinha dito para a polícia. Tudo tinha sido tão horrível que ela só queria esquecer! Se pelo menos isso fosse possível.
__Filha, olha o que eu fiz pra você! - Disse D. Mariana entrando no quarto onde Miriam estava e lhe mostrando um prato de biscoitos de chocolate.
__Obrigada, mãe. - Disse Miriam sorrindo e começando a comê-los.
Sua tia entrou no quarto em seguida e disse:
__Miriam, sua amiga Amanda está no telefone. Ela está perguntando se pode vir te visitar hoje.
Miriam pensou um pouco. Ainda não se sentia pronta para ver ninguém, mas não podia continuar se escondendo, muito menos de sua melhor amiga. Já era hora de voltar a ter uma vida normal.
__Diga a ela para vir sim, tia.
17
Amanda abraçou Miriam com força antes de perguntar:
__Como você está?
__Estou tentando esquecer o que aconteceu, mas não está sendo nada fácil.
__É, eu sei. Foi tudo tão horrível. Ninguém podia imaginar que o Paulo era louco. Ele parecia tão normal.
__A morte da esposa o deixou assim. Até onde eu sei, ele era uma pessoa normal antes do acidente que a matou.
__É, me falaram isso também. Parece que a irmã dele ficou preocupada com o fato dele não querer sair e conhecer outras pessoas preferindo ficar trancado no quarto rodeado apenas por fotos dela, mas acabou achando que com o tempo a saudade que ele sentia iria diminuir e ele iria voltar a sorrir.
__E ele voltou! Só que os sorrisos dele vinham do fato dele acreditar que a esposa tinha voltado no meu corpo.
Miriam estremeceu ao lembrar disso. Notando o quanto a amiga ainda estava abalada, Amanda disse:
__Melhor mudarmos de assunto. Quando é que você vai ver o Rodrigo? Ele já recebeu alta do hospital e está em casa.
__É, eu soube. Eu ligava todos os dias para o hospital para saber como ele estava e na semana passada, me disseram que ele ia poder voltar para casa.
__E então? Quando vai vê-lo?
__Não sei, acho melhor não ir, afinal, foi por minha culpa que ele foi parar no hospital.
__Que isso, Miriam? Claro que não foi sua culpa! Além do mais, o Fabiano que é amigão dele me disse que ele disse que quer muito te ver de novo e só não veio te visitar ainda porque está com uma perna engessada e a mãe dele não o deixa levantar para nada.
Miriam abriu um grande sorriso. Saber que Rodrigo queria vê-la fez com que tudo o mais desaparecesse de sua mente.
__Então, eu vou vê-lo sim e vai ser agora! Vamos comigo?
__Vou ir rapidinho só pra dar um oi pra ele, depois eu deixo vocês sozinhos porque eu não quero segurar vela.
Miriam riu, mas logo ficou séria novamente e perguntou:
__E o Cláudio? O André é primo dele e agora está preso. Eu imagino que isso o tenha deixado arrasado.
Amanda olhou para os próprios pés e disse:
__É, eu ouvi dizer que ele ficou muito mal com a prisão do primo sim. Principalmente porque o André havia dito para ele várias vezes que um dia iria matar o responsável pelo acidente que havia matado o pai, mas o Cláudio achava que era só força de expressão, entende? Nunca achou que o primo fosse capaz de fazer algo desse tipo... Mas enfim, a Carla cuidou bem dele nesses dias difíceis e ele agora já se conformou com o que aconteceu.
__Como assim a Carla cuidou bem dele?
__Ah, você ainda não sabia? Ela é a namorada dele agora.
__Puxa, que chato, Manda.
Amanda deu um pequeno sorriso e disse:
__O mais chato foi que eu desconfiei da pessoa errada, sabe? Quando o Cláudio me disse que estava gostando muito de uma outra garota e que precisava de um tempo para pensar, eu preferi terminar o namoro porque eu não sou relógio para dar tempo. Aí eu perguntei a ele quem era a garota e ele se recusou a dizer o nome, só me disse que era alguém que eu conhecia e que estudava na mesma turma que eu. Aí eu cismei que era você e por isso acabei me afastando um pouco. Você me desculpa, não desculpa?
__Claro, Mandinha. Mas da próxima vez que desconfiar de algo me diga para que possamos resolver tudo logo.
As duas riram e se abraçaram longa e fortemente.
Segundos depois já estavam na rua a caminho da casa de Rodrigo. Miriam olhou sorrindo para o sol. Finalmente o inverno tinha acabado e não havia mais motivos para se ter frio.
Fim

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